quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Participação política, cívica e sócio-comunitária da etnia cigana


Hoje decidi publicar umas linhas que falam sobre a Etnia cigana, com a qual eu tenho interagido bastante em contexto profissional. O trabalho com estas pessoas ajudou-me sem dúvida a deixar de lado alguns preconceitos e a comçar a vê-los como um grupo, como tantos outros que existem na nossa sociedade. Podem comentar!...
Na perspectiva de Mendes (2005), “O grupo minoritário dos ciganos em Portugal, está numa situação de desvantagem quanto ao acesso geral aos recursos e ao poder político” (p.200). As variações e as mutações produzidas são fruto da sua participação no universo social não cigano, uma vez que a passagem do nomadismo, situação que proporcionava em maior fechamento e isolamento social, à sedentarização que implicou de algum modo um alargamento ao nível dos mecanismos propiciadores da sua participação na formação social global e na cultura dominante. A sua participação não é um processo linear, mas variado e até contraditório. Situa-se entre a assimilação, que implica dos traços e elementos culturais específicos, e a consequente diluição do grupo étnico na formação social dominante, e ainda a incorporação, ou seja, a adaptação à formação social maioritária mediante uma transformação selectiva de alguns dos traços culturais específicos, configurando-se como uma das possíveis vias para alcançar um novo equilíbrio entre grupo maioritário e grupo minoritário, mantendo-se assim a sua identidade étnica (Mendes, 2005).

Algumas das mudanças ocorridas nos modos de vida do grupo cigano em Portugal, correspondem a tentativas de adaptação a novas condicionantes estruturais. O progressivo desaparecimento dos seus quotidianos do “caló ou romano”1, a concentração espacial das linhagens, a sedentarização, a multiplicação e a densificação das relações quotidianas com os não ciganos, a procura de outras vias de inserção laboral, a vivência e a coabitação em bairros de habitação social, são respostas comportamentais que reflectem a adaptação do grupo étnico cigano face a novas necessidades e mudanças que vêm do seu exterior. Tal pressupõe transformações nos padrões de comportamento deste grupo étnico, de modo a proporcionar um acesso mais facilitado aos mecanismos e aos contextos de integração. A dificuldade aqui está em situar os limites a partir dos quais se dilui a identidade étnica (Marques, 2007). Fraser (1995), refere que alguns traços culturais fazem parte da identidade cultural do grupo, como a língua, a noção do espaço território (enquanto espaço cultural de tradição e história comum), económico (feiras e mercados preferenciais) e sociopolítico (de organização social intragrupo), as crenças e ritos religiosos e a partilha de um quadro de valores próprio (o respeito pelos mais velhos, a ajuda mútua, a família, o casamento e a boda tradicional cigana, a virgindade da mulher, etc.). Apesar de permanentes alterações no conteúdo cultural, mantém-se a sua identidade étnica.
Embora as capacidades de adaptabilidade demonstradas pelo grupo étnico cigano em Portugal se tenham traduzido em melhorias nas suas condições socioeconómicas e de vida, não houve correspondência em termos de protagonismo sociopolítico e em distintividades sociais. Observam-se algumas situações de mobilidade social, porém, tal fenómeno está longe de ter a tradução e repercussão num projecto mais alargado de promoção e de mudança grupal com impacto no seu estatuto social e na construção de uma imagem pública positiva (Marques, 2007).
Segundo investigações realizadas em Portugal, ao ponderar a capacidade de acção e decisão dos actores sociais sobre a mudança, verificou-se que os trajectos e os projectos de vida se apresentam condicionados a determinados constrangimentos, tais como: o preconceito, a rejeição e o estereótipo secular, os baixos níveis de escolarização, a inserção precária no mercado de trabalho, a participação política, associativa e cívica passiva, o não exercício dos direitos de cidadania e o diferente usufruto de benefícios e apoios estatais na sua plenitude. Regista-se ainda uma ausência de perspectivas, ou seja, de projectos de vida assentes numa óptica de mobilidade social ascendente. Assumem assim uma atitude de apatia e de descrença quanto à sua capacidade de protagonismo no sentido de mudança. As vivências são marcadas por um tempo presente e por referência a um passado reprodutor de marginalizações constantes (Mendes, 2005). “Torna-se, então necessário, ter em conta a dinâmica da reprodução social, por força do peso dos constrangimentos sociais” (p.201).

A mesma autora faz ainda uma relação interessante quanto a este grupo étnico, pois refere que seria importante “estabelecer uma ‘ponte’ entre a socialização escolar e a socialização familiar” (p.202), ou seja, que a escola deveria ir ao encontro das expectativas, desejos e práticas das famílias ciganas. A elevação dos níveis de escolarização dos membros desta etnia, poderia por outro lado, implicar uma maior capacidade de defesa dos seus interesses e especialidades étnicas perante a cultura maioritária, bem como um grau de ‘politização’ da etnia. Deste modo sua intervenção cívica, comunitária, associativa e política, poderia ser uma mais-valia para a cultura maioritária, e deste modo a cultura maioritária poderia dar mais valor à permanência secular no nosso país e à importância no presente da etnia cigana.
Em Suma:

A etnicidade cigana afirma-se como uma atitude reactiva face ao exterior, porque diferente, em algumas circunstâncias, ameaçador e até desestruturador. O próprio percurso dos ciganos em termos históricos, caracteriza-se por uma tensão contínua e constante entre a assimilação face à sociedade envolvente e a manutenção e preservação da identidade étnica. Os ciganos, enquanto grupo étnico, caracterizam-se por uma série de elementos culturais comuns que representam o seu “conteúdo étnico” e o seu “património cultural” particular, e que os distingue de outros grupos com os quais entram em contacto.

Todavia, com as suas características próprias, os membros da etnia cigana em Portugal, que na sua maioria deixaram o nomadismo para optarem pela sedentarização em “barracas” ou habitação social, inserindo-se num meio urbano, precisamente pelas suas características auto-excluem-se e a própria sociedade urbana não os inclui, ou seja, não havendo uma iniciativa das duas partes, torna-se muito difícil a participação deste grupo étnico a todos os níveis. Pois justamente, pela razão deste grupo não se identificar com a sociedade em que se insere e ao mesmo tempo ser excluído pela mesma, também não dá o seu contributo, quer político, quer cívico, quer social, pois não se sente parte integrante dessa sociedade.

No entanto, em contrapartida com a ideia anterior, se é verdade que os ciganos reivindicam os seus direitos, porque são cidadãos, também deveriam cumprir os seus deveres, e é aqui que existe um choque, que se verifica muito na sociedade Portuguesa. Como exemplo prático pode-se referir a questão dos membros da etnia cigana requerem o Rendimento Social de Inserção e outros rendimentos e no entanto recusarem-se a cumprirem com alguns deveres de cidadãos, justificando muitas vezes com as suas crenças e a sua cultura. Se é verdade que devemos respeitar as crenças e a cultura do outro, também é verdade que deveria haver um equilíbrio. Neste sentido, o Governo Português, através do sistema nacional da segurança social, obriga as pessoas de etnia cigana a frequentar a escola, formações e outras actividades em troca da atribuição do Rendimento Social de Inserção.
Referências:
Fraser, A. (1995). História do Povo Cigano. 2ª Edição. Círculo de Leitores.
Marques, J. F. (2007). Do “não racismo” Português aos dois racismos dos Portugueses. Lisboa: Alto-Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, I.P. (ACIDI).
Mendes, M. M. F. (2005). Nós, os Ciganos e os outros – Etnicidade e Exclusão Social. Lisboa: Livros Horizonte.

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